A vacina que hoje conhecemos é a intervenção médica mais eficaz já aplicada. O conceito básico das vacinas foi observado em indivíduos que sobreviveram a uma praga antiga e que não contraíram tais doenças novamente. Para replicar esses efeitos protetores contra a infecção natural, Edward Jenner – e mais tarde, Louis Pasteur – inocularam agentes causadores de doenças (atenuados ou mortos) em indivíduos sadios. Esta abordagem empírica inspirou um século de desenvolvimento para as vacinas e, também, auxiliou na profilaxia de muitas doenças infectocontagiosas. A partir da década de 1980, novas pesquisas e tecnologias permitiram o desenvolvimento de vacinas que antes não teriam sido possível utilizando tal abordagem empírica. A revolução tecnológica deste setor possibilita a entrega de novas vacinas ainda mais seguras para a população.
Estudos recentes relatam que, até o momento, as vacinas impediram mais de 100 milhões de casos de doenças somente nos Estados Unidos e, que, a cada ano, evitam 2,5 milhões de mortes em todo o mundo – equivalente a aproximadamente 7.000 mortes prevenidas por dia. A vacinação tem potencial para se tornar uma das ferramentas mais importantes para manter o bem-estar das gerações presentes e futuras.
Abordagem Empírica
A praga de Atenas
De acordo com estudiosos da história da humanidade, a imunidade contra doenças transmissíveis foi alcançada empiricamente, ou seja, através da exposição natural a infecção ou por inoculação direta (sem prévias manipulações) de microrganismos mortos, atenuados, ou ainda, suas toxinas. O primeiro registro escrito da aquisição de imunidade contra uma doença contagiosa é descrito em documentos relacionados à praga que afetou Atenas, Grécia, em 430 A.C.. Em “A História da Guerra do Peloponeso”, Tucídides relata que durante o segundo ano da guerra entre Atenas e Esparta (431 A.C. a 404 A.C.), uma praga espalhou-se na cidade de Atenas eliminando um terço da população. Tal episódio foi tão devastador que as pessoas não se importavam mais com as leis, costumes e religião. Tucídides relata que indivíduos enfermos encontraram mais compaixão naqueles que se recuperaram da doença, pois, esses possuíam conhecimento empírico que não poderiam ser acometidos novamente e, portanto, não temiam por sua integridade física.
Até o presente momento, historiadores discutem se a praga de Atenas foi causada por febre tifóide, tifo epidêmico, peste bubônica, varíola ou outro agente infeccioso. No entanto, a prática de expor indivíduos a uma infecção natural foi usada até recentemente, como por exemplo, as “festas do sarampo”, prática esta, popular na década de 1950, em que crianças saudáveis eram convidadas para a casa de crianças diagnosticadas com sarampo para exposição intencional à infecção.
Varíola e variolação
O primeiro relato de imunização induzida foi descrito no século X na China. Tal relato descreve que pústulas de indivíduos acometidos por casos leves de varíola eram extraídas, secas e inoculadas diretamente nas fossas nasais ou em pequenos ferimentos na pele de indivíduos não acometidos, com o objetivo de infecção deliberada de uma forma menos grave da doença, de modo a protegê-los de futuras exposições. Tal prática – conhecida como “variolação”- também foi utilizada na África e tornou-se popular na Europa durante o século XVIII, época esta, em que a varíola estava causando meio milhões de mortes anualmente. No entanto, a eficácia de tal método não era total e, em certas ocasiões, a variolação resultava em morte. Atualmente, a incerteza e o medo intrínseco relacionado ao uso de vacinas por certos indivíduos podem estar associado a estes fatos históricos.
Em 1796, o inglês Edward Jenner notou que indivíduos acometidos com varíola bovina eram imunes à varíola humana e, utilizou pústulas de vacas para alcançar os mesmos resultados obtidos na variolação tradicional, porém, com efeitos colaterais de severidade reduzida. Tal fato é considerado o nascimento oficial da vacinação e, este procedimento, nomeado vacinação de vacca – da palavra latina para vaca – foi difundido e utilizado com poucas modificações até a erradicação total da doença em 1979.
De microrganismos a vacinas
Apesar de suas descobertas, Jenner não tinha conhecimento da origem microbiana das infecções e também não conseguia explicar o mecanismo de ação de sua vacina. O nascimento científico das vacinas somente foi efetivado um século depois, quando, Robert Koch e Louis Pasteur descobriram que doenças infecciosas são causadas por microrganismos. Pasteur então começou a atenuar microrganismos no laboratório, secando, aquecendo, expondo-os ao oxigênio ou inoculando-os em diferentes animais hospedeiros. O primeiro microrganismo a ser atenuado foi a Pasteurella multocida, uma bactéria causadora de cólera em frangos e, a primeira vacina humana desenvolvida foi contra o vírus da raiva, cultivada em medula espinhal de coelhos e atenuada por exposição ao ar seco e, aplicada com sucesso, em 1885. Embora esta vacina antirrábica primitiva às vezes causasse o óbito, o procedimento tornou-se muito popular e, pessoas de toda a Europa, Rússia e Estados Unidos procuravam Pasteur para serem imunizados.
No mesmo período, a vacina contra o antraz foi produzida e, alguns anos depois, Emil von Behring e Shibasaburo Kitasato descobriram que o soro de animais inoculados com toxinas bacterianas de difteria e tétano poderiam proteger os humanos destas doenças. A partir das metodologias desenvolvidas por Pasteur, os pesquisadores franceses Albert Calmette e Camille Guérin desenvolveram uma vacina atenuada contra a tuberculose (Bacille Calmette – Guérin; BCG) a partir de cepas de Mycobacterium bovis, vacina esta, clinicamente utilizada e acessível até o momento contra a tuberculose.
Neste período, a metodologia científica básica para produção de vacinas foi estabelecida e, consiste-se em: isolamento, inativação e inoculação dos microrganismos ou toxinas causadores da doença. No início do século XX, a inativação química ou física de microrganismos foi amplamente utilizada para produção de vacinas contra febre tifoide, peste, cólera e, coqueluche. A maioria destas vacinas, embora eficazes, não são mais utilizadas devido a efeitos colaterais adversos, incluindo febre, dor e inchaço no local de aplicação. Em 1924, a inativação química de toxinas foi descrito por Gaston Ramon em Paris, França e Alexander Glenny em Londres, Inglaterra e, esta descoberta, levou ao desenvolvimento das vacinas toxóide diftérico e tetânico (DT) utilizadas atualmente.
Em meados da década de 1930, descobriu-se que o vírus da gripe poderia ser cultivado em ovos embrionados, procedimento este, ainda utilizado para desenvolvimento da maioria das vacinas contra gripe. Já em 1949, houve uma revolução no desenvolvimento das vacinas: o cultivo utilizando-se cultura celular in vitro. Em 1950, utilizando-se esta metodologia, foram desenvolvidas vacinas de poliomielite inativadas ou atenuadas, isoladas de cepas selvagens de poliovírus. Tal método também foi utilizado para desenvolvimento de vacinas contra sarampo, caxumba, e rubéola durante a década de 1960 e, mais recentemente, contra o vírus varicela-zoster, rotavírus, e influenza.
Vacinação moderna – Novas Tendências
Vacinas glicoconjugadas
Durante a década de 1960, os cientistas observaram que, indivíduos que possuíam anticorpos bactericidas específicos contra polissacarídeos meningocócicos estavam protegidos da meningite meningocócica. A partir da década de 1970, tal conhecimento levou ao desenvolvimento de vacinas produzidas a partir de polissacarídeos purificados contra diversos sorogrupos de meningococos, pneumococo e uma vacina contra Haemophilus influenzae. Estas foram as últimas vacinas desenvolvidas utilizando-se a metodologia empírica descoberta por Jenner e Pasteur (isolamento, inativação, inoculação).
Embora eficazes em adultos, essas vacinas não induziam uma resposta imune em neonatos. Explicando brevemente, polissacarídeos capsulares são antígenos de células T independentes que podem estimular a memória de células B existentes em adultos já pré-expostos; no entanto, tais polissacarídeos são incapazes de induzir a memória de células B ou a mudança de isotipos IgM para IgG, ou ainda estimular a produção de anticorpos de alta avidez durante a resposta do sistema imunológico primário em indivíduos sem exposição prévia. Como consequência, tais polissacarídeos não são imunogênicos em neonatos, indivíduos estes, que mais precisam dessas vacinas.
Ainda na década de 1970, um grupo de cientistas liderado por John Robbins do Instituto Nacional de Saúde dos EUA revisitou um artigo publicado por Oswald Avery e Walther Goebel em 1929. Tal artigo revelava que, quando um polissacarídeo pneumocócico era conjugado a uma proteína, ele era capaz de induzir a produção de anticorpos. Robbins e seus colaboradores utilizaram tal metodologia para elaborar um conjugado covalente de toxóide diftérico ligado ao polissacarídeo capsular de H. influenzae tipo b e, em 1980, eles descreveram a fabricação da primeira vacina glicoconjugada. Tal tecnologia de conjugação anunciou uma grande revolução na área de vacinação. Em duas décadas, vacinas conjugadas foram licenciadas contra H. influenzae tipo b, meningococo do sorogrupo C e, sete sorotipos de pneumococos. Em todos os casos, as vacinas induziram anticorpos de alta afinidade em neonatos e eliminaram tanto a doença quanto a infecção dessas bactérias na população vacinada. Durante a última década, a mesma tecnologia foi utilizada para desenvolver vacinas contra meningococos dos sorogrupos A, C, Y, W e, contra seis sorotipos de pneumococos.
As vacinas glicoconjugadas foram o primeiro exemplo de vacinas que não poderiam ter sido desenvolvidas pelo método tradicional de Pasteur, já que a forma nativa do antígeno deve ser recombinada a uma proteína transportadora para torná-lo imunogênico. Atualmente, é consensual que tais vacinas conjugadas funcionam em toda população, pois a proteína que é ligada ao polissacarídeo é capaz de conjugar células T e, portanto, a resposta imune que essas vacinas produzem é totalmente dependente dessas células T. No entanto, até o presente momento, os mecanismos moleculares de ação do processamento do antígeno, a forma que as células T auxiliam e, como a memória imunológica é induzida por essas vacinas glicoconjugadas não estão totalmente elucidados pelos cientistas e, o tema ainda é objeto de estudo.
Tecnologia de DNA Recombinante
Em meados da década de 1970, Maurice Hilleman queria fazer uma vacina contra o vírus da hepatite B (HBV). No entanto, o HBV não poderia ser cultivado em laboratório utilizando-se a abordagem convencional de cultivo e inativação do vírus. Em vez disso, Hilleman desenvolveu uma vacina purificando e inativando as partículas semelhantes a vírus (VLPs) que são encontradas em grandes quantidades no plasma de indivíduos cronicamente infectados. A vacina foi eficaz, mas, além de riscos de segurança, havia uma grande limitação: a necessidade contínua de indivíduos infectados fornecerem plasma necessário para a produção da vacina.
No mesmo período, a tecnologia de DNA recombinante tornou-se disponível no meio científico. Utilizando-se desta tecnologia, Bill Rutter e Pablo Valenzuela, da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, conseguiram isolar e clonar o gene que codifica o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBV) inserir no DNA de leveduras e multiplica-los em laboratório. A partir desta metodologia, eles conseguiram construir o antígeno do HBV em partículas semelhantes a vírus (VLPs) que eram antigenicamente idênticas àquelas que foram purificadas do plasma de pacientes infectados, eliminando, portanto, a necessidade de doação de plasma descrita anteriormente por Maurice Hilleman em sua metodologia. Esta nova metodologia, inicialmente utilizada e comercializada pelas empresas Merck e GlaxoSmithKline, possibilitou a produção em massa de vacinas simplesmente cultivando leveduras geneticamente modificadas em fermentadores industriais. Pela primeira vez na história, foi possível produzir uma vacina sem o cultivo do microrganismo causador da doença. Uma década depois, leveduras e baculovírus (vírus patogênicos isolados de alguns insetos) geneticamente modificados foram utilizados para produzir VLPs recombinantes de outros vírus que não poderiam ser cultivados em culturas de laboratório, incluindo o vírus do papiloma humano 16 (HPV16) e o HPV18. Recentemente, as VLPs tornaram-se populares em pesquisas de produção de vacinas recombinantes contra diversos vírus, como por exemplo, vírus influenza, vírus sincicial respiratório (VSR), norovírus e parvovírus.
Zootecnista, Mestre e PhD em Ciência dos Alimentos (UFLA/University of Wisconsin – Madison). Possui experiência nas áreas de Zootecnia e Ciência dos Alimentos.